Você está diante de um problema: o cliente da oficina quer retirar o carro sem pagar. E agora? Neste artigo, podemos te ajudar a evitar este tipo de situação e, caso ela aconteça, resolvê-la da melhor maneira possível. Para isso, vamos trazer uma perspectiva jurídica desta situação e, por fim, fornecer algumas orientações sobre como agir.
Questão Controversa
Até pouquíssimos anos atrás, o assunto não era consenso entre os especialistas do direito. Por um lado, existia uma parte dos juristas que acreditava que a oficina tinha o direito de reter o bem. Esses profissionais sustentavam que o Código Civil garantia esse direito em dois momentos:
“O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.”
Art. 644 do Código Civil
“O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.”
CC – Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002
Por outro lado, a maior parte dos especialistas, incluindo os juízes, acreditava que a retenção do veículo, além de ferir o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, poderia caracterizar apropriação indébita, crime previsto no artigo 168 do Código Penal Brasileiro. Além disso, as decisões mais recentes, inclusive em instâncias superiores como o STJ, têm sido favoráveis aos clientes e consideram a retenção do veículo uma ação indevida.
Reter o veículo do cliente inadimplente não é uma boa ideia
Como vimos, quando o dono de oficina retém o veículo, ele assume o risco de se envolver em ações judiciais que tendem a ser desfavoráveis. Além disso, por mais que pareça justo se recusar a devolver o veículo sem que o pagamento seja feito, essa atitude não ajuda muito no processo de cobrança. Diante disso, há outras maneiras mais eficazes para receber o valor devido.
No artigo “Como evitar o fiado na oficina mecânica e como cobrar seu cliente”, por exemplo, reunimos todas as informações para que você se previna dessas situações e realize o processo de cobrança de maneira mais inteligente, segura e efetiva. Vale a pena a leitura. Mas, ao tratar deste caso específico, é importante reforçar algumas dessas atitudes preventivas.
Como evitar que o cliente saia sem pagar
Como já falamos, para não ter o problema da inadimplência, a primeira coisa a fazer é evitar ele aconteça. Confira algumas dicas:
- Diversifique as opções e formas de pagamento;
- Tenha a aprovação do orçamento por escrito, seja a assinatura do cliente, mensagem de aprovação por WhatsApp ou confirmação por e-mail;
- No caso de serviços mais caros, peça uma parcela de adiantamento.
O cliente quer retirar o carro sem pagar. E agora?
Antes de tudo, é preciso entender que é sempre melhor manter a calma e o profissionalismo. Logo, não perca a razão e evite o risco de ser processado pelo cliente por algum excesso que você possa cometer. Como já dissemos, se você tem a aprovação do orçamento e da execução dos serviços registrada, seja na ordem de serviço, no e-mail ou no WhatsApp, as coisas ficam mais fáceis.
Para Júnior Bigliazzi, especialista em direito do trabalho e processo do trabalho, ter um registro da aprovação do cliente é essencial para proteger a oficina nestes casos.
“Uma venda consciente acontece quando temos a ordem de serviço assinada pelo cliente. Isso porque, caso o cliente saia sem pagar, nós não podemos reter o veículo, nem desfazer o serviço. Temos que fazer a cobrança na esfera cível”.
Júnior Bigliazzi – Bigliazzi Assessoria Contábil
Vale a pena chamar a polícia?
Alguns donos e gerentes de oficina mecânica ou centro automotivo escolhem ligar para polícia e registrar um Boletim de Ocorrência (B.O.) em casos assim. O argumento é que, quando o cliente autoriza o serviço e depois quer sair sem pagar, caracterizaria crime de estelionato.
De fato, em alguns casos específicos, pode ser que o delegado entenda que ocorreu o estelionato. Porém, não são todos os casos que se enquadram neste crime. E, se esse não for o caso, você ainda corre o risco de ser processado pelo cliente pelo constrangimento causado.
Via criminal não serve para cobrança
Se o que você espera, ao acionar a polícia, é receber pelo serviço prestado, saiba que este não é o caminho jurídico adequado. Ao fazer com o Boletim de Ocorrência acusando seu cliente de estelionato, você até pode fazer com ele responda criminalmente, mas, mesmo que ele seja multado pelo crime, esse dinheiro não vai para você. “A matéria criminal não busca ressarcimento. Para isso, você deve entrar com uma ação de cobrança na esfera cível”, reforça Bigliazzi.
Por isso, antes de acionar a polícia porque o cliente da sua oficina quer retirar o carro sem pagar, considere todos este fatores mencionados e avalie se vale a pena todo o transtorno gerado.
O melhor caminho é o da prevenção
Como já dissemos, o profissionalismo e a oficialização do serviço continuam sendo a melhor maneira de evitar este tipo de situação e aumentar suas chances de receber pelos serviços caso isso aconteça. Por isso, é essencial que você tenha a Ordem de Serviço assinada pelo cliente, emissão de nota fiscal e todos os processos administrativos bem documentados e organizados.
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